Quando o alarme do despertador toca, é hora de acordar, lavar o rosto, escovar os dentes e ir para a escola, mas sem sair de casa. Para boa parte dos estudantes, assim tem sido a rotina desde que a pandemia começou. Ligar o computador ou o celular virou a forma de se encontrar com os professores e os colegas, e o aviso de “gravação iniciada” tornou-se o novo sinal de que uma aula começou. Para alguns alunos, porém, o desafio de se adaptar a esse novo contexto é ainda maior, uma vez que é preciso ter que lidar com um outro obstáculo, para além dos impostos pelo isolamento: a acessibilidade.
Estudantes com algum tipo de deficiência, seja física, intelectual, visual, auditiva ou múltipla, enfrentam uma luta diária no caminho para a aprendizagem. É que, na escola, existiam profissionais capacitados para atender cada tipo de especificidade e para criar laços, pedagógicos e afetivos, com o aluno. Em casa, nem sempre os familiares têm a mesma sensibilidade para ensinar as crianças ou tempo para despender com elas. Além disso, era no ambiente escolar que a maioria desses alunos tinha a chance de vivenciar os mais diversos tipos de experiências, fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e social.
“Meu filho fica ocioso em quase todo o horário que deveria estar na escola. Esse tempo, na maioria das vezes, ocasiona comportamentos inadequados, fica ainda mais sozinho e não busca outras pessoas da família para interagir ou brincar”, relata a assistente social Marcíria Castellani, de 44 anos, mãe do Pedro, 7, com o laudo de Transtorno do Espectro Autista (TEA). “Ele é uma criança não verbal, com baixo nível de autonomia, necessitando de supervisão constante. Por mais que os pais busquem informações e que a escola se esforce para realizar a orientação à família, não se compara ao olhar e à atuação do professor no processo de ensino.”
Algumas perdas em relação ao presencial, infelizmente, são perceptíveis. “Os estudantes com deficiência encontravam nas unidades escolares oportunidades de interações sociais e aprendizados, muitas vezes vivenciadas quase exclusivamente nesses espaços”, explica Vera Barros, psicóloga e subsecretária da Educação Inclusiva e Integral.
O papel da escola, que sempre foi fundamental na formação de qualquer pessoa, agora se faz ainda mais necessário. Além de educar, ensinar e acolher, é preciso também entender as necessidades de cada aluno e adaptá-las ao cenário que estamos vivendo. Segundo Vera, uma das grandes questões vivenciadas pelos profissionais de educação é sobre atingir todos os estudantes, considerando suas individualidades e dentro de seus contextos sociais e domésticos, para elaborar estratégias pedagógicas adequadas às suas condições.
A professora do Atendimento Educacional Especializado (AEE) do Centro de Ensino Fundamental nº 12 de Taguatinga, Larissa Mitsue, conta que o período de pandemia foi e está sendo um momento de muitos desafios, mas também de muitos aprendizados. Para ela, é gratificante perceber o desenvolvimento dos estudantes que tinham inúmeras dificuldades em se adaptar ao ensino a distância e, de repente, já conseguem responder às atividades, preencher formulários, anexar arquivos, assistir a aulas pelo Google Meet e tirar dúvidas por mensagens de texto.
Foi o caso de Duwesley Nogueira Chaves, de 14 anos, com deficiência intelectual. Em 2020, todos os materiais do jovem eram impressos, já este ano, ele consegue acessar a plataforma com facilidade, acompanha algumas aulas on-line e comparece aos atendimentos remotos da Sala de Recursos. “Eu não acho tão difícil este ano, mas ano passado, sim. Faço meus deveres no final da tarde ou de manhã. As aulas no computador a pessoa não aprende muito, não. E não sou só eu, todo mundo. Era melhor estar no colégio com todos, mas a pessoa tem que assistir”, afirma o estudante.
“De uma certa forma, eles foram forçados a lidar com essas ferramentas que, com certeza, farão parte de toda a sua vida acadêmica daqui pra frente e que, também, serão necessárias neste mundo tecnológico”, explica a professora. “Estamos todos juntos e vamos passar por isso. Apesar de todas as perdas que a pandemia nos trouxe, sinto-me honrada em fazer parte desse processo de aquisição de conhecimento coletivo”, reitera.
Segundo Larissa, é preciso que a escola trabalhe de forma integrada, acolhendo tanto os estudantes quanto as famílias, para que ninguém se sinta desmotivado ou desassistido. Nos atendimentos individualizados da Sala de Recursos, ela procura manter conversas informais com os alunos para estabelecer vínculos, além de trabalhar as habilidades que são importantes para os conteúdos de sala de aula. Jogos, formulários com dicas e vídeos explicativos com linguagem simples são algumas das metodologias acessíveis utilizadas pelos professores regentes para atingir os estudantes com maiores comprometimentos cognitivos.
“É necessário que reconheçamos que todos os estudantes, independentemente de suas necessidades e dificuldades, têm potencial para aprender. Para que eles tenham uma aprendizagem significativa, é importante que tenhamos a sensibilidade de entender que cada um tem o seu ritmo e maneiras diferenciadas de aprender”, completa a professora.
Fonte: Correio Brasiliense, acesso em 27/05/2021
Especialista Em Instituição de Ensino